quinta-feira, 30 de junho de 2011

Sobre um passado feliz

Quando eu tinha 15 anos, me dei de presente a primeira grande transformação da minha vida: me matriculei num curso de teatro. Na verdade, a minha intenção era perder um pouco a timidez e conhecer pessoas novas, socializar. Mas o que aconteceu foi uma grande virada na minha vida.
Foi na Fundação Curro Velho que eu aprendi a ver o mundo com outros olhos, onde aconteceu a minha formação artística e cultural e onde eu conheci pessoas especialíssimas (incluindo meu marido).
Quando eu comecei a fazer as aulas de teatro, eu acabei me interessando por outras artes: dança, fotografia, artes plásticas, música, artesanato, literatura, cinema, astrologia, misticismo... Aprendi de tudo um pouco. Comecei a ler muito, entrei em contato com as obras de grandes dramaturgos: Brecht, Beckett, Nelson Rodrigues... Apurei meu gosto musical. Conheci a música clássica e seus grandes mestres. Passei a admirar a fotografia e as artes plásticas. Me apaixonei por Frida Kahlo e Botero (este, por razões óbvias. rs).
Foram 2 anos de intenso aprendizado. Saí de lá aos 17 anos com uma bagagem cultural que eu jamais teria adquirido na minha vida. Depois, passei por vários outros grupos que também me acrescentaram muito conhecimento: Trupe Serelepe, Cia. Arteira, Alfabumba... Foram, sem dúvida, os melhores anos da minha vida! Foi a época em que eu mais me senti livre, dona de mim, onipotente!
Mas como tudo nessa vida passa, aos 20 anos eu tive que deixar tudo de lado por causa do trabalho e da faculdade. A adolescência tinha acabado e as responsabilidades da vida adulta me chamavam.
Eu teria me tornado uma grande atriz! Eu tinha (tenho?) talento! Mas eu preferi largar tudo por um emprego com carteira assinada e uma faculdade que eu não concluí (ainda). Mas eu não me arrependo, não! Na verdade, acho que saí no lucro, afinal, além de toda a cultura adquirida, eu ainda fiquei com meu marido e muitos, mas muitos amigos daqueles doces anos. E o melhor de tudo: essa saudade gostosa e a lembrança de momentos únicos. Pequenos pontos de felicidade que preenchem meu coração até hoje.

segunda-feira, 27 de junho de 2011

Mentir pra si mesmo é sempre a pior mentira...

Sempre gostei de dançar. Era a única coisa que me divertia nas festas. Não bebo, não fumo e namoro meu marido desde os 16 anos portanto, só me restava dançar. Dançava muito. A noite toda, se deixassem. Dançava o que tocasse, da valsa ao axé. Nas festas juninas então... eu me acabava!
Daí, que ontem fui numa festa junina na casa de uma amiga. Comidas típicas, todo mundo vestido à caráter, muita diversão, o arrasta pé correndo solto... e eu sentada!
É sempre assim, eu passo por um turbilhão numa boa, sem traumas, mas de vez em quando aparece uma coisa pequenina, sem importância, que me derruba!
Ontem foi assim. Ver meus amigos dançando sem poder acompanhá-los, me destruiu. É uma bobagem, eu sei! Mas mexeu comigo. Vou fazer o quê?
E sabe o que é pior? Eu me peguei fingindo pra mim mesma que estava tudo bem. Era como se eu não pudesse me permitir um momento de fraqueza. Pelo menos não por aquele motivo.
Eu sei que eu tenho o direito de me deprimir de vez em quando, de desesperar, de chorar... afinal, não é qualquer um que segura o tranco que eu seguro. Mas eu não me permito! São anos e anos como a pessoa mais forte do mundo, a durona da turma, a mãezona dos amigos, a confidente, a que tem solução pra tudo... Não dá pra fraquejar assim, por uma bobagem.
Engraçado o ser humano. A gente acha que consegue enganar a própria consciência dizendo para si mesmo que tá-tudo-bem-eu-nem-queria-dançar-mesmo. É como quando vc está de dieta e come chocolate escondido mesmo estando sozinho em casa.
Enquanto vc mente pra si mesmo, as pessoas ao seu redor acabam acreditando também. E assim a vida segue. Com todo mundo achando que vc tirou de letra o seu problema.

quarta-feira, 15 de junho de 2011

Reflexão do dia

Primeiro levaram os negros
Mas não me importei com isso
Eu não era negro.

Em seguida levaram alguns operários
Mas não me importei com isso
Eu também não era operário.

Depois prenderam os miseráveis
Mas não me importei com isso
Porque eu não sou miserável

Depois agarraram uns
desempregados
Mas como tenho emprego
Também não me importei

Agora estão me levando
Mas já é tarde
Como eu não me importei com
ninguém
Ninguém se importa comigo.

Bertold Brecht
(1898 - 1956)

quarta-feira, 8 de junho de 2011

Aprendi tudo, menos a ter coragem.

Estou meio frustrada!
Ainda não consegui colocar em prática as coisas que aprendi no hospital.
Saí de lá cheia de planos e super empolgada para fazer tudo o que eles me ensinaram. Só não imaginei que seria tão difícil adequar essas novidades à minha rotina.
A maior dificuldade é conseguir uma companhia. Ainda não saio sozinha na rua. Apesar de ter aprendido a me virar direitinho (subindo, descendo e transpondo obstáculos), ainda tenho medo. Não dá pra botar a cara na rua sozinha de uma hora pra outra e todas as pessoas ao meu redor (marido, pai, mãe, irmão) já têm sua rotina, seu dia-a-dia definido e corrido. Quem vai parar pra me atender, pra andar comigo pra cima e pra baixo?
Além disso, ainda não encontrei uma academia com acesso a cadeirantes próxima da minha casa. As academias acessíveis ou ficam longe e/ou são caríssimas, totalmente fora do meu orçamento.
Também tentei me matricular na natação, mas como já estamos em junho e nas férias de julho todas entram de recesso, dancei! Só em agosto!
Por fim, o basquete! Conheço o time, já tenho o telefone do treinador, já existe uma resposta positiva para participar dos treinos, mas ainda não aconteceu! Pelo simples fato de não ter quem me acompanhe, quem me leve até lá e me traga de volta.
Maldita dependência!!! Preciso perder o medo! Preciso criar coragem para sair sozinha! Se tantos conseguem, porquê eu não?
Estou frustrada por quê achei que o que faltava pra mim era aprender a fazer malabarismos. Não era! Isso eu já sei fazer! O que me falta é coragem, e isso ninguém pode me ensinar a ter.

quinta-feira, 2 de junho de 2011

Sobre enfrentar o desconhecido.

Ontem meus olhos brilharam diante da TV. O jornal da tarde divulgava que as células tronco já estavam sendo utilizadas na Bahia. A reportagem mostrava que a experiência estava sendo feita em um paraplégico com lesão completa. Uma semana após o implante das células, ele já conseguia movimentar as pernas, inclusive, pedalando.
Quando a matéria acabou, meu marido já havia anotado o nome do hospital e o do médico responsável pela pesquisa. A luz no fim do túnel estava mais próxima do que pudéssemos imaginar.
- nós vamos pra lá! - ele me disse, no auge da euforia. - Eu vou conseguir entrar em contato com eles e você vai ser cobaia também!
Fiquei em silêncio por um longo tempo. Dentro de mim, como sempre, começava o rebuliço. Um turbilhão de pensamentos contraditórios. Mesmo empolgada com a possibilidade de cura, eu não conseguia parar de pensar:
- E se não der certo? Se essa for apenas mais uma tentativa frustrada? E se a esperança de milhões de pessoas que aguardam isso há anos, for por água abaixo?
- E se der certo? O que me faz pensar ser merecedora dessa dádiva? Com tantas pessoas com casos muito mais graves que o meu, porquê eu seria uma das primeiras?
- Como seria voltar a andar? Seria diferente de antes? Que sensações e sentimentos isso me traria?
- Como seria o recomeço depois de toda essa "bagagem" adquirida com a lesão?
- Como as pessoas reagiriam a isso? De que forma me enxergariam?
- Como seriam as pessoas se as sequelas das lesões medulares deixarem de existir? Sim, porquê são inegáveis as transformações pessoais que sofremos.
- O que seria daquela máxima que diz que as pessoas só aprendem com o sofrimento e com a perda?
Tudo bem, exagerei. É claro que as pessoas continuariam sofrendo por causas infinitas: pobreza, fome, violência, morte... Mas, e aquela transformação profunda, aquele bichinho da compaixão, da solidariedade e da tolerância que morde a gente e as pessoas da nossa família quando passamos por graves problemas de saúde, deixaria de existir?
Tudo muito complexo. Tudo muito controverso. Diante da cura iminente, cara a cara com a possibilidade de voltar a andar, o sentimento que me domina é o medo. Medo do desconhecido.
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